domingo, 25 de agosto de 2013

O Profeta - Zé Geraldo



O dia vai chegar
estou me preparando porque antevi
No livro que lhe empresto e você não aceita a verdade ali
Existe tanta gente por ai as tontas sem se definir
Na hora da balança O peso não alcança o que deve atingir

Hei Homem de Deus
Acorda é tempo ainda
Eis que teu tempo finda
Faz uma oração

Hei Homem de Deus
Deixa a incoerência
Em sua conferência
fale de perdão

Quem você não conhece é que vai conferir se você passa ou não
Esqueça o seu padrinho pois lá não tem carta de apresentação
O que vai influir é o bem que você fez ou deixou de fazer
Existe em cada estante um livro importante e você não quer ler

Quem sabe se o juiz não foi alvo de risos quando aqui passou
Sofrendo a indiferença, pagando tributos da classe ou da cor
Quem sabe se você não vai se ver chorando a mais tirana dor
E implorar baixinho aquela mesma ajuda que você negou

A vida é uma escola onde o viver é o livro e o tempo o professor
Onde alguns são sábios porém até hoje ninguém se formou
A única certeza é que o dia do acerto já está pra vir
Prepare a sua alma pois na hora certa você vai ouvir

O som de um instrumento que não se afina ao diapasão
Virá anunciando sem segundo aviso a hora da razão
Estou lhe reparando, estou lhe aconselhando porque quero ir
Você se nega a ler, erroneamente crê que a vida é só aqui


Cidadão - Zé Geraldo

Tá vendo aquele edifício moço 
Ajudei a levantar. 
Foi um tempo de aflição 
Era quatro condução 
Duas pra ir, duas pra voltar. 
Hoje depois dele pronto 
Olho pra cima e fico tonto 
Mas me chega um cidadão 
E me diz desconfiado 
Tu tá ai admirado? 
Ou tá querendo roubar? 
Meu domingo esta perdido 
Vou pra casa entristecido 
Da vontade de beber 
E pra aumentar o meu tédio 
Eu nem posso olhar pro prédio 
Que eu ajudei a fazer 

Ta vendo aquele colégio moço 
Eu também trabalhei lá 
Lá eu quase me arrebento, pus a massa 
Fiz cimento, ajudei a rebocar. 
Minha filha inocente 
Vem pra mim toda contente 
Pai vou me matricular 
Mas me chega um cidadão 
Criança de pé no chão 
Aqui não pode estudar. 
Essa dor doeu mais forte 
Por que é que eu deixei o norte 
Eu me pus a me dizer 
Lá a seca castigava 
Mas do pouco que eu plantava 
Tinha direito a comer. 

Ta vendo aquela igreja moço 
Onde o padre diz amém. 
Pus o sino e o badalo 
Enchi minha mão de calo 
Lá eu trabalhei também. 
La sim valeu a pena 
Tem quermesse, tem novena 
E o padre me deixa entrar 
Foi lá que Cristo me disse 
Meu rapaz deixe de tolice 
Não se deixe amedrontar. 
Fui eu quem criou a terra 
Enchi o rio, fiz a serra 
Não deixei nada faltar 
Hoje o homem criou asas 
E na maioria das casas 
Eu também não posso entrar. 

Disparada - Geraldo Vandré


Prepare o seu coração
Prás coisas
Que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar...
Aprendi a dizer não
Ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo
A morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar
Eu vivo prá consertar...
Na boiada já fui boi
Mas um dia me montei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse
Porém por necessidade
Do dono de uma boiada
Cujo vaqueiro morreu...
Boiadeiro muito tempo
Laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente
Pela vida segurei
Seguia como num sonho
E boiadeiro era um rei...
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos
Que fui sonhando
As visões se clareando
As visões se clareando
Até que um dia acordei...
Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente...
Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto prá enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar
Na boiada já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu
Querer ir mais longe
Do que eu...
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
Num reino que não tem rei

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Ciro, Esdras e a lição negligenciada


É comum e, por vezes, até curioso, encontrarmos na Bíblia o detalhado e extensivo registro de genealogias, a preocupação em registrar o agir de Deus na história em pequenas, simples e discretas ações de pessoas comuns, mas usadas pelo Senhor para sua glória. O registro nas crônicas, a citação e ênfase em atos aparentemente menores, procedimentais e burocráticos, como arquivamentos, contagens, pesagens e rechecagens são encontrados com abundância em toda a palavra de Deus. Para além da informação em si, qual o sentido de se explicitar na Palavra tais tarefas e procedimentos, tão corriqueiros e ordinários? Atentemos para os trechos da Palavra a seguir:

Também o rei Ciro tirou os utensílios da casa do SENHOR, que Nabucodonosor tinha trazido de Jerusalém, e que tinha posto na casa de seus deuses. Estes tirou Ciro, rei da Pérsia, pela mão de Mitredate, o tesoureiro, que os entregou contados a Sesbazar, príncipe de Judá. E este é o número deles: trinta travessas de ouro, mil travessas de prata, (...), e mil outros utensílios.(...); todos estes levou Sesbazar, quando os do cativeiro subiram de babilônia para Jerusalém. Esdras 1:7-11

Também estes subiram de Tel-Melá (...) e Imer; porém não puderam provar que as suas famílias e a sua linhagem eram de Israel.(...) E dos filhos dos sacerdotes: os filhos de Habaías, de Coz, de Barzilai, (...). Estes procuraram o seu registro entre os que estavam arrolados nas genealogias, mas não se acharam nelas; assim, por imundos, foram excluídos do sacerdócio. E o governador lhes disse que não comessem das coisas consagradas, até que houvesse sacerdote com Urim e com Tumim.Esdras 2:59-63

Agora, pois, se parece bem ao rei, busque-se na casa dos tesouros do rei, (...), se é verdade que se deu uma ordem pelo rei Ciro para reedificar esta casa de Deus em Jerusalém; e sobre isto nos faça saber a vontade do rei. Então o rei Dario deu ordem, e buscaram nos arquivos, onde se guardavam os tesouros em babilônia. E em Acmeta, no palácio, que está na província de Média, se achou um rolo, e nele estava escrito um memorial que dizia assim: (...). Esdras 5:17 e 6:1-2 

Então separei doze dos chefes dos sacerdotes: Serebias, Hasabias, e com eles dez dos seus irmãos.
E pesei-lhes a prata, o ouro e os vasos; que eram a oferta para a casa de nosso Deus,(...). E pesei em suas mãos seiscentos e cinqüenta talentos de prata, e em vasos de prata cem talentos,(...). E disse-lhes: Vós sois santos ao SENHOR, e são santos estes utensílios, como também esta prata e este ouro, oferta voluntária, oferecida ao SENHOR Deus de vossos pais. Vigiai, pois, e guardai-os até que os peseis na presença dos chefes dos sacerdotes e dos levitas, e dos chefes dos pais de Israel, em Jerusalém, nas câmaras da casa do SENHOR. Então os sacerdotes e os levitas receberam o peso da prata, do ouro e dos utensílios, para os trazerem a Jerusalém, à casa de nosso Deus. E partimos do rio Aava, no dia doze do primeiro mês, para irmos a Jerusalém; (...). E chegamos a Jerusalém, e repousamos ali três dias. E no quarto dia se pesou a prata, o ouro e os utensílios, na casa do nosso Deus, por mão de Meremote, filho do sacerdote Urias; e com ele Eleazar, filho de Finéias, e com eles Jozabade, filho de Jesuá, e Noadias, filho de Binui, levitas. Tudo foi contado e pesado; e todo o peso foi registrado na mesma ocasião.
 Esdras 8:24-34

Os exemplos acima nos ajudam a compreender o porquê do registro de tarefas caracterizadas como administrativas. A chave está, em parte, na afirmação de Paulo destacando que a motivação última de tudo o que fazemos deve ser a glória do Pai (1 Co 10:31). O Senhor nos mostra através do Verbo que há um jeito certo de se viver, um modo divino de agir em cada situação, de modo que sua glória seja manifesta. Ao registrar repetidamente em sua palavra pequenos atos administrativos, o Justo demonstra não apenas que Ele é glorificado nestes gestos, mas também que estas ações têm uma maneira correta de serem realizadas, e que a não atenção a isso é descaso com o Deus da glória, que registra desde o gênesis sua atenção com a ordem e justeza das coisas, atributos seus.

A palavra de Deus de um modo geral, e o livro de Esdras em particular, apresentam, como visto acima, diversos fatos e práticas que demonstram a genuína preocupação dos servos de outrora com o correto, preciso e completo registro histórico da comunidade, dos seus membros e das suas decisões e atos; com a transparência das informações e das ações, com a checagem, verificação e atestação em tudo o que se faz, e com a disposição sábia, humilde e amorosa (à semelhança de Cristo) de incluir os membros da comunidade nas decisões, consultando-os, sem tomar para si a prerrogativa do poder, exercendo-o como o mundo o exerce; lição devidamente aprendida pelos Apóstolos (At 15:6-22), mas comumente esquecida pelos cristãos ao longo da história, pelos que insistem em enxergar a vida e o exercício do poder (inclusive o eclesiástico) pelo prisma do mundo. A maneira como se administra a igreja deve refletir o reino, e as Escrituras são claras ao demonstrar que na comunidade dos santos - seja o Israel pós-exílio babilônico de Esdras, seja na igreja primitiva, ou nas comunidades cristãs atuais -, organização, registro, clareza, transparência, precisão, imparcialidade, revisão, humildade, e inclusão, ou empoderamento, são práticas e comportamentos imprescindíveis a um agir coerente com a fé que professamos.

Ocasiões como assembleias, e atos cotidianos como tarefas e decisões de ordem administrativa, apesar de usualmente desprezados e tidos pejorativamente por alguns como “burocráticos”, como um “mal necessário”, são parte de nossa adoração a Deus; são atos em que o Criador pode, ou não, ser glorificado, como de resto tudo o que fazemos ou deixamos de fazer. Deus não é obedecido, adorado e glorificado apenas quando uma igreja envia missionários e entoa louvores e cânticos espirituais, ou mais raramente quando aborrece o mal e a injustiça (pontual ou estrutural) ou se compadece dos pobres e desalentados (Zc 7:9,10), mas em cada ação diária, na obediência, no zelo, no amor e na coerência em todas as áreas de nossas vidas e de nossa comunidade. Negligenciar práticas que glorificam a Deus nos atos administrativos da igreja e querer obedecê-lo apenas em determinadas áreas soa incoerente e temeroso, revela uma concepção limitada e incongruente do evangelho, uma tentativa de coexistência de pensamentos contrários, o famoso duplipensar orwelliano, que gera um porvir incerto, frágil e arenoso.

Neste ponto, diante da imensa maioria das igrejas que lutam todos os meses para pagar suas contas - que sabem o que é esperar um milagre para honrar seus compromissos mais básicos, como água, luz e o humilde salário do seu único pastor -, a coerência, o cuidado e a responsabilidade das igrejas ricas em todos os seus atos devem ser ainda maiores. Oxalá não sejamos encontrados culpados, mas possamos sim trilhar sempre o caminho da simplicidade, da humildade e da correção.

Sugestões para a IPG

1- Utilização de listagem completa dos membros efetivos e comungantes nas assembleias

O atual método de atestação da presença dos membros nas assembleias, em que cada um assina seu nome num livro de atas, deveria ser substituído pelo uso da listagem completa dos membros efetivos e comungantes da igreja, os quais deveriam assinar, cada qual, ao lado do seu nome na lista. Deste modo, não apenas se facilitaria a identificação posterior dos presentes para registro histórico, como se dificultaria o registro equivocado do não-membro ou de membro não comungante, seja por engano, desinformação ou má-fé.

2- Adoção de cédulas de votação com possibilidade de registro do voto nulo

Por último, no tocante a eleições para pastor em que haja apenas um candidato, o bom senso e o espírito bíblico nos compelem a evitarmos cédulas que não deem ao membro a opção de registrar o voto nulo num espaço próprio. É constrangedor, nos casos de candidato único, haver apenas o espaço com o nome do candidato para marcar, sendo os membros obrigados a deixarem a cédula intocada em caso de discordância. O fato de se oferecer unicamente o espaço com o nome do candidato pode induzir alguns a marcá-lo inadvertidamente. A possibilidade de se marcar nulo num espaço específico fortalece o processo, na medida em que este se torna mais confiável e neutro.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Tobias e o sumo sacerdote

São constantes nas conversas e sermões em nossas comunidades as referências às igrejas neopentecostais, não apenas pela interpretação que fazem da Bíblia, mas também pelo uso e direcionamento dado por elas aos recursos obtidos através das ofertas dos seus fiéis. Não nos deixemos, contudo, cair na tentação fácil de olhar apenas para as práticas comuns a denominações adeptas da teologia da prosperidade, mas foquemos, antes (Mt 7:3-5), nossas igrejas históricas tradicionais, procurando nos concentrar no segundo aspecto, o do uso inadequado dos recursos devolvidos a Deus em forma de dízimos e ofertas. Não vamos nos ater aos casos clássicos de uso da fé para ganhar dinheiro, mas àquelas ações por vezes pequenas, discretas e habituais, que agridem o evangelho, não sendo percebidas pela maioria das pessoas, mas que saltam aos olhos e trazem indignação àqueles cujo mover do Espírito se traduz em discernimento, temor e apego fiel à Palavra.

A Palavra de Deus faz um relato que, se trazido aos nossos dias, pode gerar reflexões importantes e, principalmente, arrependimento e correção de práticas erradas para com os recursos do Reino de Deus e da sua Igreja. Ela conta que em determinado momento da experiência do povo de Israel após a volta do exílio babilônico, Eliasibe, o sumo sacerdote judeu, ao se tornar parente de um homem chamado Tobias, passou a beneficiá-lo, tomando um espaço do pátio da Casa de Deus e transformando-o numa grande câmara mobiliada para seu novo aparentado (Ne 13:4-14). Tal fato se deu durante a ausência de Neemias de Jerusalém, uma vez que o servo de Deus se encontrava na Babilônia, em audiência com o rei Artaxerxes. Ao voltar a Jerusalém Neemias tomou conhecimento do que havia acontecido, segundo a descrição bíblica que segue: Então, soube do mal que Eliasibe fizera para beneficiar a Tobias, fazendo-lhe uma câmara nos pátios da Casa de Deus. Isso muito me indignou a tal ponto, que atirei todos os móveis da casa de Tobias fora da Câmara.  (Ne 13:7,8)

O sacerdote havia beneficiado alguém próximo (parentes, amigos ou apoiadores) com uma parte do templo e com recursos deste. Ao mesmo tempo, como é comum nesses casos, reteve e desviou os recursos, os quais deveriam se destinar à execução dos rituais litúrgicos, e à manutenção dos levitas e dos sacerdotes - o ato errado de privilégio tem como outra face a injustiça e o desrespeito para com outras pessoas. Tais ações condenáveis tinham consequências práticas e públicas, uma vez que eram visíveis e prejudicavam diretamente a muitos (Ne 13:10). Entretanto, apesar de perceptíveis por um grande número de pessoas, as medidas infames tomadas pelo sumo sacerdote não foram recriminadas, ou se o foram, não tiveram força suficiente para impedir sua consecução. Aparentemente o mal estava feito e era inexorável. Mas havia Neemias, e com ele o discernimento, a coragem e a intrepidez daqueles cujo único compromisso é com a Palavra de Deus, e não com os interesses e conveniências dos homens; ele corrigiu o rumo daquela situação de maneira enérgica e definitiva, jogando os móveis para fora, purificando as câmaras e restituindo os lugares dos levitas, bem como tudo o que lhes era destinado. Nos dias de hoje, o ponto levantado por Neemias foi adotado pela Ciência Contábil como um princípio norteador: o Princípio da Entidade, que enfatiza a necessidade de separação do patrimônio dos sócios ou proprietários do patrimônio da entidade, seja ela de que origem for. Por trás de tal princípio está o ideal de transparência, clareza e fidedignidade no uso dos recursos e nas informações prestadas a todos os interessados.

Neemias, após arrancar os móveis da câmara, contendeu com os oficiais e magistrados, arguindo-os: Por que se desamparou a Casa de Deus? (Ne 13:11) O questionamento mostra que aqueles homens, pela função que exerciam, deveriam ter agido preventiva ou reativamente para impedir o mal, e não o fizeram; deveriam ter agido com firmeza ao detectarem a arbitrariedade, a dissimulação e o autoritarismo do sacerdote, características que passam longe do evangelho de Cristo. Após inquirir aquele conselho, e para a vergonha dos que o compunham, o servo do Senhor tratou de reestabelecer ele mesmo os levitas aos seus antigos postos. De modo a concertar o erro causado pela má-fé de Eliasibe e pela inação dos oficiais, Neemias colocou quatro pessoas irrepreensíveis e dignas de confiança (entre sacerdotes, escribas e levitas) para cuidarem dos depósitos e da distribuição de suprimentos aos seus colegas. O antigo copeiro do rei Artaxerxes sabia que não podia colocar qualquer pessoa para cuidar dos recursos da Casa de Deus, pessoas que geravam dúvidas, desconfianças ou suspeitas. Ele era suficientemente sábio para saber que a presença de servos fiéis, sob os quais não pairava qualquer sombra de dúvida, era não apenas desejável, mas necessária.

Atualmente, o uso inadequado dos recursos nas igrejas tradicionais, quando existe, reside majoritariamente na falta transparência, de critérios claros, justos, razoáveis e de fácil compreensão, seja nas decisões, seja na execução, bem como na falta de constância e previsibilidade de parâmetros, o que dá margem ao voluntarismo e ao autoritarismo. A autoridade vem de Deus, já o autoritarismo vem dos homens, e deve ser devidamente confrontado e corrigido.

O sumo sacerdote errou. Conselhos e pastores também erram. Não obstante, devemos observar se o erro é consequência direta de práticas administrativas e decisórias condenáveis, de uma liderança impositiva e manipuladora, ou se não passa de uma fatalidade, ocorrida apesar da justeza, do acerto e da coerência do processo com a mente de Cristo. A oração, utilizada como álibi para toda e qualquer medida, em si, não é garantia de um agir correto, devendo-se atentar para as ações, os frutos, a coerência dos critérios adotados com os valores do Reino; autoritarismo, imprudência e arbitrariedade são incoerentes com o evangelho, e por isso não devem ser aceitos com a desculpa de que houve oração. A Igreja omissa na Alemanha nazista, os holandeses calvinistas escravagistas do século XVII em Pernambuco, as igrejas segregacionistas no sul dos EUA (e na África do Sul), de onde boa parte do protestantismo brasileiro se origina; conquanto todos eles orassem, perpetraram erros graves ao longo de suas histórias, tanto por suas ações quanto omissões, erros estes que repercutem negativamente em suas sociedades até hoje.

A ausência de Neemias abriu espaço para o erro. Neemias fora de Jerusalém era a ausência de um espírito que tem temor, é fiel e zeloso da palavra, obedece aos mandamentos, e não tergiversa quando o evangelho é menosprezado; um espírito crítico e vigilante, cuja contínua transformação da mente pelo Espírito não permite que tenha o entendimento entorpecido, não mais distinguindo o certo do errado. Neemias não era sacerdote, profeta ou escriba, não tinha nenhum cargo oficial na estrutura religiosa da época, não obstante agiu com poder, motivado pela coerência com a Palavra. Nós somos (ou deveríamos ser) os Neemias de hoje, não podemos nos ausentar da administração das nossas igrejas, sob pena de permitirmos a existência ou o surgimento de hábitos e práticas que desagradam a Deus. Temos que estar sempre alertas para identificar atos que não se coadunam com o a Palavra, não importando se vêm de nós mesmos, do nosso irmão ou da liderança; para isso é necessário que tenhamos conhecimento do que se passa administrativamente na igreja, de maneira que possamos ser fiéis vigilantes dos recursos do reino. Somos todos sacerdotes, apesar desta verdade bíblica ser pouco enfatizada em tempos de alguns líderes pouco afeitos a contrariedades, por atrelaram a palavra liderança ao poder de exercer sua vontade e não à possibilidade de servir mais. Uma liderança que não está aberta a questionamentos e exortações baseados na Palavra mostra-se em descompasso com o evangelho, e deve ser levada a mudar de direção, pois suas velas estão contra o sopro do Espírito. Preferências arbitrárias na escolha dos fornecedores de equipamentos, materiais e serviços, critérios confusos e questionáveis no direcionamento dos recursos para obreiros e missionários, benefícios abusivos, etc. A figura dos pastores e presbíteros não pode ofuscar ou tirar a clareza e a autoridade primeira das Escrituras. Sacerdotes, falsos profetas, líderes corruptos e infiéis ao longo da bíblia deveriam nos servir de alerta para que a submissão inicial não se torne acrítica, confortável e preguiçosa, tornando-nos cúmplices do erro, cegando-nos para o mal.

Neemias por diversas e repetidas vezes se aborreceu (Ne 5:6), repreendeu (Ne 5:7), questionou (Ne 5:9), se indignou (Ne 13:8), contendeu (Ne 13:11), protestou (Ne 13:15), condenou e mandou corrigir os erros, descasos e pecados cometidos pelos sacerdotes, pelos magistrados, pelos nobres e pelo povo (Ne 13:11,17,25). Hoje é comum que as (raras) críticas feitas às lideranças, à luz da palavra, com zelo, e em obediência e coerência com o espírito profético e apostólico do evangelho, sejam, por vezes, desonesta e injustamente rotuladas de divisoras, facciosas e perturbadoras da “paz” e da “união” da igreja (paz e união estas que apenas válidas quando alicerçadas nas verdades bíblicas), tal como quis fazer o rei Acabe a Elias e rei Jeroboão a Amós, recebendo a devida resposta dos profetas. E sucedeu que, vendo Acabe a Elias, disse-lhe: És tu o perturbador de Israel? Então disse ele: Eu não tenho perturbado a Israel, mas tu e a casa de teu pai, porque deixastes os mandamentos do SENHOR (...)(1Rs 18:17-18). Apego à verdade, e não submissão ao erro e ao engano. Como nos mostram Neemias, os profetas, e os próprios reformadores, a indignação, o confronto e a contenda não devem ser estigmatizados, sendo a ausência deles caminho certo para a perdição. A boa contenda está embasada na Palavra, movida pelo Espírito e envolta pelo amor, já a má contenda nasce da inveja (Tg 3:14), da vaidade e futilidade (Tt 3:9), além da carnalidade (1Co 3:3). Rotulando a quem questiona, se interdita a troca e a confrontação de ideias e dificulta-se o hábito da reflexão e da iluminação do Espírito, da renovação da mente, e com ela, dos propósitos e práticas. A crítica e a má receptividade aos questionamentos realizados dentro do espírito bíblico, em geral se originam na insegurança, vaidade, medo, autoritarismo, soberba e apego ao poder; comumente recobrem decisões, práticas e hábitos na gestão da igreja que, se expostos à luz, seriam, no mínimo, questionados. Submissão não é sinônimo de ausência de questionamento. Perguntas pertinentes merecem resposta.

Epílogo

Soube do mal que Eliasibe fez para beneficiar a Tobias...(Ne 13:7) - Alguns sabiam , discerniam , mas  não se opuseram, por ceder ao medo, por temer retaliações do sumo sacerdote e dos seus. Outros podem ter contado o fato a Neemias sem sequer perceber o mal presente na atitude de Eliasibe. Os dois casos são igualmente graves, o medo que imobiliza e inutiliza o discernimento, e a ingenuidade e falta de discernimento que deságuam no apoio a ações e a pessoas cujas reais motivações não apontam para Deus, apesar de usualmente serem as que mais se utilizam do seu nome, conforme nos alerta o Senhor Jesus (Mt 7:22).

Soube do mal que Eliasibe fez para beneficiar a Tobias – A atitude de Eliasibe em tomar espaço e recursos da casa de Deus foi essencialmente má, conforme denunciada por Neemias. A simples motivação de beneficiar ou ajudar alguém não chancela qualquer ato como correto diante de Deus. O uso de tal justificativa para se lançar mão inadvertida e arbitrariamente dos recursos da casa de Deus é frágil e não encontra sustentação no evangelho; o fato de alguma medida ser aprovada por qualquer maioria, não transforma um ato em essencialmente correto, pois ainda não inventaram conselhos de homens que subvertam a palavra da verdade, porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração (Hb 4:12).

Artur Leonardo Gueiros Barbosa