Grandes problemas, traumas e divisões já ocorreram
na história da Igreja, no interior das comunidades e mesmo nos relacionamentos
pessoais entre irmãos, devido a um conceito enganoso e abusivo na compreensão e
vivência da autoridade cristã. A autoridade exercida em descompasso com o
espírito de Cristo traz consigo um rastro de dor, mágoas e divisão, e se apóia
no medo, na imaturidade e na manipulação. Em contraponto, a autoridade embasada
na vida com Deus, orientada pelos princípios do Reino e coerente com o caráter
de Jesus, é leve, natural, humilde e desapegada do exercício do poder; ela traz
união, serenidade e orientação.
Sendo assim, na escolha entre um ato correto,
irrepreensível à luz do evangelho, e a obediência ou submissão às autoridades
quando estas tomam decisões ou impõem ações que desagradam ao Senhor, não há o
que pensar. Os apóstolos Pedro e Paulo já nos deram a resposta, quando, após
chamarem os cristãos à submissão em relação ao Estado e a todas as autoridades
constituídas (1 Pe 2:13,14; Rm 13:1), serenamente os confrontaram, no momento
em que suas determinações tornaram-se destrutivas e contrárias à vontade de
Deus, à lei do amor (Mt 22:37-39). Ao ser ordenado que não mais pregasse,
Pedro disse: “Julgai se isto é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós
outros do que a Deus; pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos
e ouvimos “(At 4:19,20). Também Paulo, quando viu que o estado estava deixando
de cumprir sua função ordenada por Deus de prover justiça para todos, admoestou-o
com energia e insistiu que o erro fosse corrigido (At 16:37).
Estavam Pedro e Paulo em oposição ao seu próprio
princípio de autonegação e submissão? Não. Eles simplesmente entenderam que a
submissão chega ao seu limite quando se torna destrutiva. Na verdade, eles
deram exemplo da subordinação renovadora trazida por Cristo, recusando-se com
mansidão a obedecer a uma ordem destrutiva e dispondo-se a sofrer as
conseqüências. Os mesmos limites se aplicam às relações de sujeição mútua,
exigidas ao longo do novo testamento; uma postura obrigatória a todos os
cristãos: homens e mulheres, pais e filhos, senhores e servos (Ef 5:21).
Ordena-se que vivamos uma vida de submissão porque Jesus viveu uma vida de
submissão, e não porque estamos num determinado lugar ou posição na vida. A
autonegação é uma postura que se ajusta aos que seguem o Senhor crucificado (Lc
9:23). O único motivo que impele à submissão é o exemplo de Jesus. ... o
Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir...
Neste ponto, cabe chamar a atenção para a confusão
existente no conceito de autoridade, bem como nos limites da submissão. O
clássico cristão “Celebração da Disciplina”, do Rev. Richard Foster, traz uma
abordagem importante sobre o tema: Quando as pessoas começam a mudar-se para
o reino espiritual, veem que Jesus está ensinando um conceito de autoridade que
se opõe totalmente aos sistemas deste mundo. Elas passam a compreender que a
autoridade não reside em posições, graus, títulos, bens, ou qualquer símbolo
exterior. O caminho de Cristo segue em outra direção: o caminho da autoridade
espiritual. A autoridade espiritual é produzida e sustentada por Deus, podendo
ou não ser reconhecida pelas instituições humanas; igualmente, não faz
diferença alguma... Mas, que dizer das pessoas que se encontram em “posições de
autoridade”, mas não possuem autoridade espiritual? Uma vez que Jesus deixou
claro que a posição não dá autoridade, deveria esta pessoa ser obedecida? Não
seria preferível desconsiderar toda autoridade humana ordenada e buscar a
autoridade espiritual e só a ela submeter-nos? A resposta não é simples, mas
também não é impossível. A subordinação renovadora nos mandaria viver em
submissão à autoridade humana enquanto esta não se torna destrutiva. A isto eu
acrescentaria outro motivo porque, no meu entender, devemos submeter-nos às
pessoas investidas de autoridade, que não conhecem a autoridade espiritual.
Devemos nos submeter por delicadeza comum e por compaixão pela pessoa que se
encontra nessa situação difícil. É muito angustiante estar numa posição de
autoridade e saber que nossas raízes não têm profundidade suficiente na vida
divina para comandar com autoridade espiritual. Conheço a sensação frenética
que faz uma pessoa empertigar-se, esbaforir-se, e imaginar truques inteligentes
para induzir as pessoas à obediência.
O Senhor Jesus nos deu o único critério de
autoridade válido no seu reino: o serviço (Mt 20:25-28). Aqueles que
contam com o discernimento evangélico concedido aos que andam no Espírito,
reconhecem e naturalmente se submetem àqueles que têm autoridade espiritual.
Com o serviço vêm a humildade e a sabedoria. Tal sabedoria do alto se faz
necessária, e conquanto a autoridade espiritual venha acompanhada de poder, sua
confirmação se dará justamente no uso sábio e adequado deste poder, que não
subjugará, explorará ou manipulará os outros, mais os servirá e os ajudará na
caminhada com Cristo.
Artur Leonardo Gueiros Barbosa