Aos membros mais atentos das
nossas igrejas, não é difícil perceber como ao longo dos anos, de forma quase
imutável, alguns temas são tratados com mais assiduidade e repetição por muitos
pregadores, enquanto outras lições e preocupações presentes nas Escrituras são
quase ou totalmente esquecidas; tal parcialidade na abordagem bíblica,
independente das razões que a provoquem, mostra-se equivocada, por limitar a
Palavra. A ênfase com que os mesmos pontos são repetidos - domingo após domingo
- salta aos olhos com a mesma força que o silêncio em relação a diversos
princípios e conceitos legados pelo Senhor, mesmo que de forma bastante enfática.
Temas considerados vitais e importantes pelo Mestre, a ponto de serem abordados
com vigor, são tratados com certa displicência e descaso por diversos líderes
atuais.
Um exemplo de tema importante comumente
olvidado ou minimizado é o sacerdócio universal dos santos, princípio basilar
da Reforma Protestante. Eis um ponto nevrálgico do evangelho do Senhor Jesus e
que incomoda boa parte das lideranças e até da própria membresia. A alguns perturba
a aparente perda de controle e de poder de decisão (que não deveria ser deles,
mas do Espírito Santo) em que o poder serve de meio para terem suas vontades
satisfeitas, e não para servir. A outros lhes inquieta o grau de
responsabilidade e sacrifício que o chamado de sacerdócio cristão encerra,
tirando-os da falsa segurança em que se encontram. O fato de sermos todos,
igualmente, sacerdotes - ou seja, termos, todos, acesso direto a Deus e
servirmos de representantes e imagem do Pai aos que nos cercam (1Pe 2:9) -, faz
com que tenhamos, necessariamente, que compartilhar responsabilidades enquanto
corpo (1Co 12:14-20) e agirmos todos como seres maduros (1Co 14:20), conscientes
do nosso papel no Reino, e não como
crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para
lá (...) pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro. Antes,
seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo (Ef 4:14-15).
A lição aprendida pelos Apóstolos
O sacerdócio universal estava
sendo ensinado quando Jesus lavou os pés dos discípulos. Não havia sido
compreendido por eles imediatamente, mas o Espírito os fez entender com clareza
depois (Jo 13:4-8), de modo que os apóstolos passaram a agir com humildade,
serviço e desapego ao poder, não mais lhes importando quem sentaria ao lado do
Senhor.
Diferente de muitas lideranças
atuais - que em suas pregações chegam até mesmo a falar da beleza do sacerdócio
universal, mas com seus atos o negam e o esvaziam -, os apóstolos demonstraram
que aprenderam e colocaram em prática o ensinamento de Jesus quanto ao
exercício da liderança no meio cristão: (...) vocês
sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as
pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês.
Pelo contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e
quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos (Mc 10:42-44).
Lideranças há que governam igrejas ao modo do mundo, escorando-se na autoridade
institucional, não incluem, não servem, nem empoderam, mas dominam e geram
obediência através do medo supersticioso causado pelo desconhecimento e falta
de entendimento das Escrituras, que produz culpa indevida e dependência
emocional nas ovelhas cada dia mais superficiais e, por isso, mais vulneráveis;
tudo isso muitas vezes acompanhado de frases doces e piedosas, que confundem e
anestesiam o já frágil discernimento de muitos.
Os apóstolos não agiram como
dominadores dos irmãos, mas como exemplos para o rebanho (1Pe 5:3), não
impuseram suas decisões nem agiram como especiais, não usaram do
nome de Deus para dar mais força e autoridade às suas próprias opiniões e
decisões (Jr 23:25,30,31), nem utilizaram o fato de serem apóstolos como
prerrogativa para verem sua vontade prevalecendo, como bem podemos observar na
ocasião da controvérsia sobre a circuncisão dos gentios, em que a discussão e a
resolução da questão se deu em todo o tempo com os apóstolos e presbíteros juntamente
(At 15:6) - guiada pelo Espírito Santo, o que foi atestado pelos presentes pela
aderência dos argumentos à Palavra (At 15:15,19) -, sem qualquer gesto dos
primeiros de arrogar o poder de decisão para si, mas sim o de deixar-se usar
pelo Espírito com os outros santos ali presentes. Tal simplicidade e
desprendimento não se observam com facilidade em alguns líderes de hoje, cabendo
aos santos resistir ao autoritarismo (Am 5:15) e reconduzir as lideranças ao
caminho do serviço.
Pelo fruto os conhecereis...
Lancemos algumas questões para
nos ajudar a identificar o grau de disposição das lideranças em conduzir o
rebanho conforme o exemplo de Cristo e dos Apóstolos, fomentando e estimulando
um ambiente saudável e propício à vivência do sacerdócio universal por toda a
comunidade, por todos os membros.
O conselho estimula a
participação nas decisões, com espaço aberto para opiniões? O ambiente no qual as
assembleias se dão incentiva e deixa os irmãos à vontade para questionamentos,
críticas e sugestões? Qual o comportamento da liderança para com as críticas? Elas
são analisadas e utilizadas (quando pertinentes) para rever os rumos? As
decisões a serem votadas nas assembleias são discutidas abertamente ou já vêm
prontas e acabadas, constrangendo questionamentos?
A liderança é transparente com o
uso dos recursos da comunidade? Há conselhos fiscais independentes? Seus relatórios são de conhecimento público? Todos os congregados
sabem com clareza como os recursos são utilizados? A transparência nas ações e decisões é algo valorizado e praticado? O conselho busca educar e
estimular o envolvimento nas decisões administrativas da igreja, levando as
informações aos membros com antecedência, de modo a informá-los melhor e a
gerar contribuições construtivas para a comunidade?
A liderança justifica suas ações?
Usa argumentos convincentes, que não agridem a inteligência? Os argumentos
respeitam a Palavra, o zelo com os recursos do reino e o espírito apostólico?
Os presbíteros têm papel ativo na
liturgia e na condução do rebanho? Pregam frequentemente? Estão presentes no
púlpito e na vida da comunidade (ou o culto é conduzido apenas pelos pastores?)?
Os membros são chamados a orar durante os cultos, ou tal ação se concentra apenas
nos sacerdotes institucionais?
Como são escolhidas as equipes de
trabalho dos ministérios? São compostas por irmãos que se dispuseram após uma
divulgação pública e transparente, ou são formadas de cima pra baixo, com os
integrantes já escolhidos, mantendo de fora pessoas que, se avisadas, estariam
desejosas de servir e exercer seus dons? As sociedades internas são fortes e
saudáveis? Suas direções são eleitas ou são indicadas pela liderança?
A liderança é modelo de vida
cristã frutífera, um exemplo a ser seguido? É modelo de integridade, simplicidade,
humildade e desapego? Como os pastores colocam suas opiniões e pontos de vista,
com humildade e deixando os outros à vontade para discordar, ou usam da posição
para ter sua vontade prevalecendo a qualquer custo?