sábado, 6 de novembro de 2010

Dos (auto) elogios

A lisonja é uma moeda em curso que só tem curso graças a nossa vaidade. Ditado popular

Vaidade, definitivamente meu pecado favorito. Al Pacino, interpretando Lúcifer no filme “O Advogado do Diabo”

Nossa humildade é diariamente testada, e a fraqueza da vaidade está sempre à espreita. É aí que um elogio pode desequilibrar a balança e desarmar o fiel. O elogio deve ser usado com prudência e parcimônia, refletindo se aquele a quem ele é dirigido terá sabedoria para digeri-lo, sem que a simplicidade seja substituída pela soberba. Receber elogios sem comprometer o espírito contrito, requer de nós maturidade espiritual para enxergarmos nossas fraquezas à luz da pureza do Pai, e nossas realizações como obra dele, para a glória dele.                                                              
O tamanho do orçamento, bem como o número de membros, ministérios e missionários podem fazer das igrejas alvos de loas e honrarias sobre os quais não se tem controle algum. O problema nesses elogios está quando se começa a lhes dar muito valor, quando se passa a acreditar que se é realmente bom, merecedor e melhor que os outros. Essa atitude opõe-se à pobreza de espírito que tanto agrada ao Pai. Uma bem-aventurança, que recebeu do Senhor Jesus a própria terra com herança eterna.

Mais triste do que lidar pouco sabiamente com um elogio que vem de fora, é passar a se auto-elogiar, seja como indivíduo, seja como instituição. Neste caso colocamos, nós mesmos, a isca no anzol que irá nos fisgar mais adiante. Qual o intuito de explicitarmos, repetirmos e relembrarmos sempre nossas “qualidades”, nossos “feitos”, nossa “importância”? Se Deus nos permitiu sermos por Ele usados, não nos bastam a consciência e a alegria do dever cumprido junto ao Pai?

Melhor que a prática do auto-elogio (temerária e sem-sentido), seria realizarmos continuamente um diagnóstico das nossas fraquezas e limitações, rogando a Deus misericórdia, humildade, sabedoria e coragem, para identificarmos nossas falhas, aprendermos com nossos erros, e mudarmos de direção.
Cervantes disse que a humildade é a base e o fundamento de todas as virtudes e sem ela não há nenhuma que o seja. Enquanto o ufanismo nos dá a falsa sensação de dever cumprido, de não haver mais o que melhorar, a humildade nos mostra o quão distante estamos do nosso alvo enquanto cristãos – tão desafiador e estimulante ao mesmo tempo – bastando para isso, olhar o papel discreto da igreja na luta para mudar a estrutura pecaminosa que produz a iníqua realidade social do nosso país.

Se nós somos, ou não, relevantes para o Reino, cabe ao SENHOR, e a Ele somente, julgar. Enquanto não chega o grande dia em que o contemplaremos face a face, urge-nos trabalhar árdua e humildemente a fim de cumprir a missão da Igreja, exposta por Cristo quando do sermão da montanha: “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem ao vosso Pai que está nos céus”, e ainda, quando na sinagoga falou, trazendo para si (e para nós, como seu corpo) o cumprimento da promessa do livro de Isaías: “O Espírito do SENHOR está sobre mim, pois o SENHOR me ungiu para levar boas novas aos pobres. Enviou-me para cuidar dos que estão com o coração quebrantado, anunciar liberdade aos cativos e libertação aos oprimidos.”

Guardar-se da vaidade é uma necessidade vital para o cristão, como ordenou Jesus: “… não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens…”, “Ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita…” e, “Não seja assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir…”,Mt 20:26-28.

Realizar e apoiar missões são uma benção e um grande privilégio, ao qual nem todas as igrejas têm acesso, mas esse não deve ser o único foco das atenções e recursos. Não está exclusivamente sobre nós a tarefa de levar as boas novas ao mundo. Cristo já tem santos espalhados pelos quatro cantos do planeta, basta que se queira enxergá-los, deixando de lado a soberba de nos acharmos os únicos servos verdadeiramente fiéis. Reflitamos se queremos levar a Água da Vida aos rincões do mundo, ou se queremos levar a nossa própria maneira de ver e de viver o evangelho.

Nos mais variados ramos, raízes, tradições e denominações do cristianismo ao redor da terra há, sempre, em cada um deles, pessoas que amam a Cristo e o têm como senhor de suas vidas. Estas pessoas são também por Ele amadas e usadas na sua seara, independente do fato de termos ou não restrições às suas doutrinas (pois a seara é de Cristo, e não exclusivamente da igreja “a”, “b” ou “c”). Estes são todos cristãos, irmãos, movidos pelo mesmo Espírito e impulsionados pela mesma fé. Crer que somos ouvidos e que servimos de exemplo pelo mundo afora, seria olhar para um horizonte muito estreito da realidade da Igreja de Cristo, crendo-a previsível, limitada e homogênea, quando o Pai prima pela diversidade e pela surpresa no agir.

Para nós, cristãos, mais importante do que exaltar ações e ministérios, é sermos vistos pelos que sofrem não como um grupo alheio às suas angústias e necessidades, mas como um povo que os ama e que se sacrifica por eles, que fala por aqueles cujas vozes nunca são ouvidas, que luta pelos que não têm força nem meios para enfrentar a injustiça, obedecendo assim o mandamento maior que, se negligenciado, torna todos os nossos esforços e ações vazios e sem sentido, como um címbalo que retine.

Nenhum comentário:

Postar um comentário