“Somos
uma igreja, não uma empresa”. Para todo crente, esta frase tem um sentido
inicial claro, uma ideia de fácil entendimento.
A
igreja encontra sentido nas pessoas, em práticas que objetivam a construção de
uma comunidade solidária, uma nova humanidade, sustentada pelos valores do
Reino, que revelam ao mundo Deus e a sua Verdade, e que tem sua origem e força na
vitória de Cristo sobre os poderes do mal. As empresas, por sua vez, encontram
sentido no lucro crescente; e para terem seu objetivo sempre alcançado, as
pessoas, a lei e a ética costumam ficar em segundo plano (através da sonegação
de impostos e de direitos trabalhistas, subornos, lobbies, compra de sentenças,
etc), pois, conforme bem descreve Hanna Arendt, "O dinheiro destrói as raízes por onde vai penetrando, substituindo
todos os motivos pelo desejo de ganhar. Vence sem dificuldade os outros
motivos, porque pede um esforço de atenção muito menor. Nada mais claro e
simples que uma cifra.". Desta forma, temos dois projetos que revelam sentidos
distintos e antagônicos.
Mas é fundamental analisarmos outros
aspectos da dualidade Igreja x Empresa, de modo a evitarmos cair numa visão
simplista, mesmo maniqueísta, da frase (que demonize práticas saudáveis, e coroe
hábitos pouco prudentes), uma vez que há exemplos na funcionalidade das
empresas que não merecem nosso desprezo, mas sim nossa consideração.
É do
conhecimento geral, que movidos pelo desejo de aumentar seus lucros, seja
através da captação de novos clientes, de investidores, ou de financiamentos,
as empresas perceberam a importância e se viram forçadas a criar práticas e
instrumentos de transparência, controle e prestação de contas. Tais ações
chamam a atenção, não apenas porque ajudam a dar uma imagem de credibilidade e
confiança à organização diante do público, mas também porque dão tranqüilidade
a quem gerencia o dinheiro, dificultando desvios e mau uso, evitando desconfianças,
comentários e suspeitas, em parte justificáveis, dada a natureza caída do homem
e o pecado que nos assedia tenazmente.
Enquanto
corpo dinâmico, impulsionado e guiado pela verdade evangélica, não devemos
ignorar tais práticas positivas - convergentes
com o espírito apostólico, e que contribuem com o Reino e com a Igreja – mas
sim observá-las e excedê-las, irmos além (Mt. 5:20).
Seguindo
num exercício reflexivo, e buscando analisar mais a fundo as possíveis
utilizações da frase em questão, percebemos que seria despropositado, sem
sentido e, sobretudo, pouco bíblico, seu uso para justificar - na gestão dos
recursos e no lidar com as pessoas - práticas pouco sábias, distantes do bom
senso, que pudessem agredir a consciência e, mais importante, que impedissem
que a paz de Cristo se estabelecesse no coração.
Se somos parte de comunidades
cristãs, e não de empresas, devemos - por esse motivo ainda mais - refletir
sobre o aperfeiçoamento das nossas práticas na administração das igrejas,
levando em conta os exemplos que vêm dos mundos público e privado, sempre sob a
luz do evangelho. As igrejas costumam orar no momento do ofertório, pedindo a
Deus sabedoria no uso dos recursos do Reino. Hábitos saudáveis de
transparência, consultas e prestação de contas a toda a comunidade - utilizando
critérios objetivos, claros e imparciais na destinação dos recursos e na
escolha dos gastos, dos fornecedores, no arbitramento de conflitos de interesse
(de maneira a explicitar o zelo e a humildade no lidar com o dinheiro,
desfazendo quaisquer sombras de dúvidas) - são uma ótima maneira e oportunidade
de demonstrar sabedoria, dado que tais práticas dificultam tentações, dão maior
legitimidade às decisões e tornam os membros mais envolvidos no caminhar da
igreja.
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