segunda-feira, 19 de março de 2012

Igreja x Empresa


“Somos uma igreja, não uma empresa”. Para todo crente, esta frase tem um sentido inicial claro, uma ideia de fácil entendimento.
A igreja encontra sentido nas pessoas, em práticas que objetivam a construção de uma comunidade solidária, uma nova humanidade, sustentada pelos valores do Reino, que revelam ao mundo Deus e a sua Verdade, e que tem sua origem e força na vitória de Cristo sobre os poderes do mal. As empresas, por sua vez, encontram sentido no lucro crescente; e para terem seu objetivo sempre alcançado, as pessoas, a lei e a ética costumam ficar em segundo plano (através da sonegação de impostos e de direitos trabalhistas, subornos, lobbies, compra de sentenças, etc), pois, conforme bem descreve Hanna Arendt, "O dinheiro destrói as raízes por onde vai penetrando, substituindo todos os motivos pelo desejo de ganhar. Vence sem dificuldade os outros motivos, porque pede um esforço de atenção muito menor. Nada mais claro e simples que uma cifra.". Desta forma, temos dois projetos que revelam sentidos distintos e antagônicos.
Mas é fundamental analisarmos outros aspectos da dualidade Igreja x Empresa, de modo a evitarmos cair numa visão simplista, mesmo maniqueísta, da frase (que demonize práticas saudáveis, e coroe hábitos pouco prudentes), uma vez que há exemplos na funcionalidade das empresas que não merecem nosso desprezo, mas sim nossa consideração.
É do conhecimento geral, que movidos pelo desejo de aumentar seus lucros, seja através da captação de novos clientes, de investidores, ou de financiamentos, as empresas perceberam a importância e se viram forçadas a criar práticas e instrumentos de transparência, controle e prestação de contas. Tais ações chamam a atenção, não apenas porque ajudam a dar uma imagem de credibilidade e confiança à organização diante do público, mas também porque dão tranqüilidade a quem gerencia o dinheiro, dificultando desvios e mau uso, evitando desconfianças, comentários e suspeitas, em parte justificáveis, dada a natureza caída do homem e o pecado que nos assedia tenazmente.
Enquanto corpo dinâmico, impulsionado e guiado pela verdade evangélica, não devemos ignorar tais práticas positivas - convergentes com o espírito apostólico, e que contribuem com o Reino e com a Igreja – mas sim observá-las e excedê-las, irmos além (Mt. 5:20).
Seguindo num exercício reflexivo, e buscando analisar mais a fundo as possíveis utilizações da frase em questão, percebemos que seria despropositado, sem sentido e, sobretudo, pouco bíblico, seu uso para justificar - na gestão dos recursos e no lidar com as pessoas - práticas pouco sábias, distantes do bom senso, que pudessem agredir a consciência e, mais importante, que impedissem que a paz de Cristo se estabelecesse no coração.
Se somos parte de comunidades cristãs, e não de empresas, devemos - por esse motivo ainda mais - refletir sobre o aperfeiçoamento das nossas práticas na administração das igrejas, levando em conta os exemplos que vêm dos mundos público e privado, sempre sob a luz do evangelho. As igrejas costumam orar no momento do ofertório, pedindo a Deus sabedoria no uso dos recursos do Reino. Hábitos saudáveis de transparência, consultas e prestação de contas a toda a comunidade - utilizando critérios objetivos, claros e imparciais na destinação dos recursos e na escolha dos gastos, dos fornecedores, no arbitramento de conflitos de interesse (de maneira a explicitar o zelo e a humildade no lidar com o dinheiro, desfazendo quaisquer sombras de dúvidas) - são uma ótima maneira e oportunidade de demonstrar sabedoria, dado que tais práticas dificultam tentações, dão maior legitimidade às decisões e tornam os membros mais envolvidos no caminhar da igreja.

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