O
que pensamos quando ouvimos a palavra prosperidade? Ela pode ser tida
como um meio para a felicidade que, no conceito do mundo, seria a
possibilidade de adquirir e satisfazer vontades e desejos pessoais.
Contudo, como tal conceito, baseado na saciedade de desejos e vontades
próprias poderia coexistir com o evangelho do Senhor Jesus? Que abriu
mão de todas as suas vontades para que a vontade do seu Pai fosse
realizada na vida dele? (Jo 4:34, 5:30) Cristo exige a mesma atitude dos seus discípulos (Mc 3:35).
O
caminho apresentado para uma vida próspera mostra-se outro, revelado ao
longo das Escrituras, como no salmo primeiro ou nas bem-aventuranças.
Nestas, percebemos que a felicidade está em sermos aquilo para o qual
fomos criados. Imagem e semelhança do Criador. Quanto mais avançamos
nesta vereda, mais felizes somos, pois mais perto ficamos da nossa razão
de existir. Independentemente das aflições da vida, temos ânimo (Jo 16:33). Neste aspecto, o cristão próspero é aquele que age como o Mestre, o qual, com sua vida (Mt 8:20, Lc 22:35) e suas palavras (Lc 12:15, 16-21, 33),
nos mostra que a prosperidade material em si e o uso que o homem do
mundo faz dela não são alvo nem modelo para o povo de Deus. Se
insistimos e criamos desculpas para priorizar esse alvo em nossas vidas,
no lugar da busca pelo reino de Deus e sua justiça, deveríamos refletir
sobre nossas escolhas e o caminho que estamos trilhando, pois a Bíblia
nos diz que simplicidade é liberdade, e duplicidade é servidão (Lc 16:13), ou, como bem disse Kierkegaard: “Pureza de coração é desejar uma só coisa”.
Diante disso, permitir que a busca e vivência do reino seja dividida
pelo desejo de prosperidade material mostra-se uma atitude pouco sábia.
Mas
se o mundo idolatra a prosperidade e a utiliza de forma incorreta, como
deve ser entre nós, comunidade através da qual Deus quer se revelar ao
mundo? Analisemos a afirmação feita pela rainha de Sabá ao visitar
Salomão e o reino de Israel, conhecendo mais do Deus daquele povo e das
grandes bênçãos materiais que Ele lhes havia concedido: “Por causa do amor eterno do Senhor para com Israel, ele te fez rei, para manter a justiça e a retidão” (1 Reis 10.9).
A rainha nos revela o propósito do Senhor para a prosperidade material
de Israel. Todas as manifestações de prosperidade - sejam elas riqueza,
poder ou influência - só têm sentido se utilizadas em benefício dos
necessitados, dos pobres, dos injustiçados e dos mais frágeis da
sociedade e da comunidade. Vejamos a instrução de Paulo: “Ordene aos
que são ricos no presente mundo que não sejam arrogantes, nem ponham sua
esperança na incerteza da riqueza, mas em Deus (...) Ordene-lhes que pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, generosos e prontos para repartir” (1 Tm 6:17-19). É
esta ação sincera, no temor do Senhor, que livra os prósperos
materialmente da escravidão ao dinheiro e do mau uso da prosperidade, do
vazio que nasce quando você deixa de converter suas bênçãos em bênçãos
para os outros.
Ainda
tendo como exemplo o reinado de Salomão, ele, assim como nós, poderia
usar seu poder, riqueza e sabedoria para fazer alguma coisa em relação
ao clamor do oprimido ou fingir que não ouviu, fingir que a dor do outro
nada tem a ver com ele e com os meios que Deus lhe deu para ajudar o
aflito. No meio da descrição bíblica sobre o governo de Salomão, há um
versículo que explicita a má escolha feita pelo rei, em relação ao uso
de poder e riqueza da Israel de seu tempo: “O rei Salomão impôs trabalhos forçados para que se construísse o templo do SENHOR, seu próprio palácio, o aterro, o muro de Jerusalém, bem como Hazor, Megido e Gezer.” (1 Reis 9:15)
i - O palácio indica o foco no bem-estar próprio (luxo, conforto sem
limites, ostentação), ii - o uso de escravos pelo povo que foi libertado
maravilhosamente da escravidão, mostra indiferença e insensibilidade ao
clamor do oprimido, posição em que ele esteve um dia, no Egito, iii - a
construção de bases militares (Hazor e Megido) aponta para a
preocupação em preservar, manter e proteger os recursos que deveriam ser
usados para abençoar, e não, serem acumulados indiscriminadamente. Três
desvios claros em relação ao plano de Deus para a riqueza e o poder de
Israel, três desvios que se repetem todos os dias em nossas comunidades.
A história do reinado de Salomão mostra que as ações do rei iam de
encontro às ordens que o Senhor tinha dado ao povo através de Moisés no
passado: “Esse rei, porém, não deverá adquirir muitos cavalos, nem fazer o povo voltar ao Egito para conseguir mais cavalos, pois o SENHOR lhes disse: ‘Jamais voltem por esse caminho’. (...) Também não deverá acumular muita prata e muito ouro.” (Dt 17:16-17)
Será
que os nossos hábitos, padrões e prioridades de consumo mostram aos
órfãos, viúvas e estrangeiros do nosso tempo que a prosperidade dada por
Deus está sendo usada como Ele planejou? Para benção de muitos e glória
sua? Ou estaria sendo utilizada de forma egoísta, para satisfazer as
vontades e os desejos de uns poucos? Segundo Martinho Lutero: “Se nossos bens não estão disponíveis à comunidade, são bens roubados.” Ainda Ariovaldo Ramos afirma: “A
divindade é quem sustenta a todos, porém, não a cada um, de modo que o
pão (nosso) é de todos, e todos são responsáveis para que cada um tenha
acesso ao que é para todos. Qualquer movimento diferente é apropriação
indébita.”.
Que a nossa prosperidade seja a de todos, para que sejamos todos um.
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